sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Luzes de Natal.



Dave virou enfim a esquina da Rua Oxford, depois de algum tempo de caminhada. Parou e contemplou a rua. Casas antigas e muito parecidas entre si a ladeavam, intocadas pelo tempo. A rua em si era estreita e estava coberta por um tapete de neve do dia anterior: naquele dia ainda não havia nevado. Postes de ferro estavam nos mesmos locais nos quais haviam sido instalados há tantos anos, porém as luzes que lançavam seus raios com dificuldade através dos finos e congelados vidros não eram provenientes de chamas, como originalmente, mas sim de lâmpadas elétricas. A rua terminava numa praia, uma faixa estreita de areia, seguida do mar, escuro e calmo. Dave ficou impressionado com a quantidade de histórias ás quais aquele estreito pedaço de terra calçada poderia ter servido de cenário.
Será que a minha história ainda pode ser mudada, ou será tarde demais? pensou para si.



Caminhou até a fachada da casa dela: um belo edifício de dois andares com um pequeno jardim á frente, protegido por uma cerca de grade baixa e um portão igualmente baixo. No segundo andar, dois pares de portas de madeira com fendas para circulação de ar levavam duas pequenas varandas revestidas de diminutos azulejos. Todas as luzes estavam apagadas. As janelas escuras pareciam desdenhar de seus esforços vãos. A família era muito religiosa, com certeza haviam ido á missa. De fato, se lembrava de ter escutado os sinos chamando alegremente os fiéis para a missa de Natal. Burro, devia ter se tocado que provavelmente não a encontraria em casa. Se virou e chutou uma pedrinha, entre desolado e enraivecido. Talvez fosse o destino, talvez ele não devesse tentar voltar atrás. Afinal a culpa não fora sua. Ela não precisava ter reagido daquele jeito. Sim, a culpa foi sua sim. Era a parte sensata de sua mente que insistia em lembrá-lo. A sua insistência em não pensar antes de agir provocara aquilo tudo. Olhou em volta, desorientado. Pra onde iria agora? Estava cego num mundo cruel e sombrio. Olhou as plantas do jardim da casa dela e olhou os bancos de madeira, e se lembrou com carinho de bons momentos debaixo daquelas árvores. Sentia falta do alívio momentâneo que sentira no caminho, quando ainda havia esperança. Agora a sensação era de que não iria jamais encontrar alívio para a sua dor, mesmo se tivesse todos os tipos de venenos em seu sangue. De repente foi trazido de volta ao mundo pelos sinos das muitas igrejas no entorno, que badalavam, anunciando o fim das missas. Ela não havia ido embora. Tinha que pensar em algo, e rápido. A casa em frente á casa dela tinha somente um andar. O teto era baixo. E as luzes estavam acesas. Grandes luzes de natal adornavam a fachada. Um plano um tanto quanto insólito começou a se formar em sua cabeça. Precisaria contar com a ajuda do morador da casa. De fato, lembrava-se de ver a velhinha que ali morava admirar discretamente o namoro dos dois no jardim. Ela haveria de se comover, afinal era um causa nobre, ele pensou, enquanto batia na porta velha de madeira escura com os nós dos dedos.

--

Maria virou a esquina caminhando e conversando com seus pais, embora não estivesse muito absorta na conversa, fazendo seu pai repetir suas falas várias vezes, o que o irritava. Porém ela não podia se impedir de perder o olhar no sol poente, lembrando-se de todas as vezes que o vira dos bancos de madeira de seu jardim, com Dave do seu lado. Nem queria se impedir de sacudir a cabeça a cada vez que se perdia em reminiscências assim, pensando: "Aquele cabeça-dura". Por outro lado, não sabia se queria se impedir de recomeçar o processo. Sentia como se aquelas lembranças fossem a última coisa a manter seu coração quente e pulsante. "Pare de pensar, Maria, pois se você chorar suas lágrimas podem congelar", ela pensou. Abriu o portão e a porta e entrou em casa, subindo para seu quarto para se preparar para a ceia. A mãe observou enquanto a menina subia a escada, escorregando a mão pelo corrimão, e lançou um olhar expressivo e intraduzível para o marido. O olhar que recebeu em resposta, esse sim, era perfeitamente traduzível. Dizia: "Eu avisei. Eu sempre aviso."
Maria fechou a porta de seu quarto com alguma violência e, sem ligar luzes, se jogou na cama, afundando em fofos travesseiros. Mudou de posição, pois do jeito que estava via a parede com pôsteres de bandas e, entre eles, espaços que eram antes ocupadas por fotos dela com ele. Mirou o teto. Não queria saber de ceias ou de presentes empacotados debaixo de pinheiros falsos. Não queria saber de nada. Queria se afogar no branco daquele teto e não voltar nunc--
Toc.
Maria se aprumou na cama e olhou pros lados. O quarto permanecia perfeitamente silencioso e sem movimento. Provavelmente alguma das tábuas do assoalho estalou, ela pensou, e se deitaria outra vez se não ouvisse de novo.
Toc.
Dessa vez não havia dúvida de sua proveniência. O som claramente era alguma coisa batendo na porta que dava para a varanda. Pensando que era um galho jogado repetidamente pelo vento contra a madeira, retirou um sobretudo fino de um cabide de chapéus e vestiu-o, abrindo as portas. No momento em que o fez, uma claridade se acendeu, diretamente á sua frente, do outro lado da rua. Se apoiando no parapeito da varanda, observou grandes luzes de natal arrumadas em cima do telhado da casa á frente, de modo a escreverem duas palavras : "Me desculpa". Na beira do telhado estava Dave, com um interruptor na mão e um olhar indescritível. As emoções lhe atingiram como uma enxurrada. Uma enxurrada muito diferente, porém, da que saíra de seus próprios olhos na noite anterior.

--

Dave observou enquanto Maria fechava a porta. Suspirou profundamente. Desligou as luzes, sentindo o brilho esverdeado da esperança em seu coração se apagar também, porém mais lenta e dolorosamente. Pulou do telhado para o chão nevado. Começara a andar na direção da esquina, sentindo cada passo que lhe afastava daquele jardim levar embora um pedaço maior de suas forças, quando ouviu o ranger do portão atrás de si, e cada nota daquelas velhas e enferrujadas dobradiças restituía as forças que os passos lhe retiraram e lhe soava como música, arrepiando-lhe. Se virou e a visão de Maria no portão aqueceu seu coração como um sol particular.

O olhar de Maria se tornou sôfrego ao ver que Dave quase partira: a falta de manifestações suas na varanda quase lhe custara tudo. Dave se aproximou dela lentamente, como se temesse que ela fosse se assustar e fugir...

... se bem que naquela situação o bicho acuado era ele. Ela provavelmente não tinha noção do poder que seus gestos exerceriam sobre ele naquele momento.

Ele finalmente se postou á sua frente. Cada um poderia, se quisesse, tocar as nuvens produzidas pela respiração do outro. Ele abriu a boca...

... sem fazer a menor ideia do que poderia dizer...

Ela tocou ambos os lábios dele com um dedo indicador, depois jogou os braços ao redor do seu pescoço.

Ambos sentiram como se aquele beijo fizesse o coração retumbar com vontade depois do que pareceram décadas de férias forçadas. O sangue parecia voltar a se mover nas veias. Fogos de artifícios queimavam dentro de cada um. As luzes de natal se acenderam novamente em cima do telhado, cortesia da velha senhora, que assistia a cena entre compenetrada e perdida entre amores pretéritos. O Natal havia enfim chegado de fato, muito embora eles não precisassem tomar conhecimento da neve que caía para sabê-lo. Por entre as cortinas da sala, os pais da moça observavam o desenrolar dos acontecimentos com caras de quem já viu de tudo. A mulher lançou a seu marido um sorriso satisfeitíssimo, ao que ele replicou com uma característica e rara revirada-de-olhos. O sorriso da mulher ficou ainda mais satisfeito pois ela sabia que aquele era o jeito de seu marido turrão dar o braço a torcer.

Um comentário:

The Escapist disse...

Como diz a Keka, Adorei e aderi, hehe, contos de natal ficam mais legais fora do natal!
Muito bom Luan!
p.S visita meu blog In My Place?:)
www.leilahani.blogspot.com