terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Ligeira Confusão

<-Início da gravação->
 -Preste atenção a essas instruções, pois elas não se repetirão. Entre na estação Largo do Machado do Metrô Rio ás 22:00 do dia 13/01/10. Pegue o metrô que sairá pontualmente ás 22:10. Na estação Botafogo, um rapaz de camisa amarela entrará no terceiro vagão e se sentará no fundo, numa cadeira preferencial para idosos. Entregue o envelope a ele e salte na estação Cardeal Arcoverde. Um de nossos homens estará lhe esperando com um carro preto.
<-Fim da gravação->


     Ás 22:20, Rafael, 15, entrou na Estação Botafogo. Rafael não estava feliz. Sua garota acabara de terminar o relacionamento. Tudo porquê ele gostava de Restart. Isso não estava certo. Tirou seu Wayfarer azul e verde-neon e balançou a cabeça pro lado, para tirar o cabelinho estilo tigelinha dos olhos, e enxugou uma lágrima. Passou pela catraca e pegou o metrô, entrando no terceiro vagão pois ele ficaria mais perto das escadas quando ele chegasse á estação Cantagalo. Resolveu se sentar numa das cadeiras preferenciais para idosos, gestantes e deficientes físicos: estava se sentindo transgressor naquele dia. Sentou-se, virou-se, colocou as pernas pra cima e fez cara de adolescente revoltado. Estava dando muita bandeira com os seus fones de ouvido brancos (característicos de iPods) e estava tentando intimidar qualquer possível agressor. O que era particularmente inútil já que, além dele, havia mais dois ou três transeuntes no vagão. Mas aquele homem de terno preto e óculos escuros sentado no canto lhe dava arrepios. O trem saiu da estação e o homem de terno se levantou. Rafael se alarmou com isso, mas não deixou sua preocupação transparecer. Muito. O homem caminhou em sua direção e colocou a mão dentro do bolso interno do terno. Rafael começou a se preocupar seriamente. E dessa vez a preocupação deve ter transparecido, pois o homem pareceu hesitar levemente. Logo, enquanto o trem entrava na estação Cardeal Arcoverde, o homem avançou em sua direção, retirando o que quer que estivesse no bolso de dentro do terno. Rafael já estava prestes a retirar seu iPod, sua carteira e seu celular dos bolsos e entregá-los pro homem enquanto implorava por sua vida, mas, para seu espanto, o homem retirou de seu terno um envelope tamanho médio, de papel pardo, e lhe entregou. Melhor dizendo, jogou em seu colo e saiu do metrô, deixando um estarrecido Rafael sozinho com seus pensamentos.
     Fragmentos de filmes que havia visto voltavam-lhe á cabeça. Mafiosos e conspiradores que entregavam a parceiros ou líderes o resultado de suas pesquisas através de contatos que se encontravam em lugares públicos para fazer a entrega. Provavelmente o homem havia lhe confundido com seu contato. E agora? O que faria com aquele envelope? Não podia jogar no lixo ou entregar á polícia. Eles saberiam, e um belo dia ele acordaria no fundo da lagoa Rodrigo de Freitas com um bloco de concreto envolvendo seus pés. Talvez o melhor fosse levar o envelope para casa. Eles o achariam, veriam que ele colaborou, não entregando o material para as autoridades, e simplesmente levariam o envelope embora, deixando-no em paz.
     Saltou na estação Cantagalo e saiu do vagão tremendo um pouco. Subiu a escada olhando freneticamente pros lados, procurando por olhos criminosos e ávidos pelas informações secretas que jaziam naquele pequeno pedaço dobrado e colado de papel-pardo.
     No primeiro corredor, escutou um zumbido mecânico e, ao se virar bruscamente, viu que uma câmera de segurança acompanhava seu movimento pelo corredor. "Oh, Deus, eles estão me vendo da sala da segurança.". E depois "Não perde a cabeça, Rafa.".
     No segundo corredor, Rafael quase teve um piripaque quando uma senhora idosa lhe cutucou o ombro para pedir informações.
     No terceiro corredor, um segurança olhou torto pra ele, e, quando julgou estar livre do olhar do rapaz, pegou seu walkie-talkie na cintura e falou alguma coisa num inintelígivel e baixo tom de voz com algum colega  que respondeu algum coisa. Ou Rafael julgou que ele havia respondido, no meio daquela estática que jorrou do fone logo depois que o homem soltou o botão. O que importa é que o homem não estava livre do olhar do rapaz. E aquele seria lembrado pra sempre pelo rapaz como "o momento em que eu perdi a cabeça de vez.". Rafael só queria chegar em casa, jogar aquele maldito envelope numa lixeira e queimar a lixeira. OK, isso era algo que só se fazia em filmes, mas no que ele estava metido, de qualquer jeito? Podia até ouvir a sinfonia de suspense enquanto apertava o envelope contra o peito numa tentativa desesperada de sufocar o demônio que ali residia. Ou talvez a sinfonia fosse só o sangue pulsando em suas orelhas. E eis que, quando Rafael achava que o metrô conseguiria lhe enlouquecer com sua procissão eterna de compridos corredores, ele finalmente alcançou a escada.
     Subiu os degraus de dois em dois e passou pela saída. Um indivíduo estranho o interpelou imediatamente, e disse, arrancando o envelope de suas mãos trêmulas:
     -Passa logo o material, cara, os tiras estão chegando!
     Rafael foi, naquele momento, tomado por um incrível estado de paz. "Aquele homem acabou de falar 'tiras'. Sim, estou num filme. Melhor, num filme dublado! Daqui a pouco o diretor vai gritar 'corta!' e eu vou poder voltar pro meu camarim.". Suas divagações foram interrompidas por uma parada de viaturas da polícia que viravam a esquina mais próxima. Se organizaram em forma de cerco ao seu redor e saíram, apontando fuzis pra sua cara. Rafael ergueu as mãos enquanto um homem de terno e gravata lhe perguntava com uma voz de raiva: "Pra onde foi seu contato, rapaz?". Rafael pensou: "Nossa, ótimo ator. Mas esse bigodinho está meio falso demais." e disse "Pra lá.". O homem, provavelmente um delegado, fez um sinal e quatro viaturas partiram na direção indicada. "Agora, você, rapaz, queira me acompanhar até a delegacia."
     Mais tarde, na delegacia, depois de uma leve propina paga a título de "fiança" por seu pai, Rafael foi liberado, uma vez que não conseguiram descobrir se o conteúdo do envelope era subversivo ou não, já que, quando alcançaram o indivíduo estranho, este já havia feito a entrega, e se recusava a dizer pra quem.
     Rafael, no conforto de sua casa, deletou todas as músicas do Restart de seu computador e começou a ouvir Iron Maiden. No dia seguinte sua garota voltou pra ele.

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Metros abaixo do solo, um rapaz de camisa amarela, sentado numa cadeira preferencial de idosos do terceiro vagão de um metrô, ia de uma  ponta a outra da linha, esperando por um homem de terno e óculos escuros. Ele só podia imaginar quantas cabeças rolariam com aquele fracasso. Não sairia do metrô tão cedo.

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A cidade estava silenciosa. Rafael havia ido se deitar, e, quando começava a cochilar, ouviu um barulho que lhe fez escancarar os olhos. Em algum lugar, alguém acabara de gritar: "Corta!"

Um comentário:

Anônimo disse...

Querido Luan,
passei pelo seu blog e queria dizer que adorei!
Continue "fluindo" seus pensamentos e criando textos tão sutis quando encantadores.
Parabéns!
Beijos,
Prof Juliana