sábado, 20 de novembro de 2010

Tique-Taque

     O bar era sujo. O barman não tinha vergonha de admiti-lo. E também não se cansava de repetir: "Não devo nada a ninguém até que alguém me peça um copo de cerveja. Neste caso, deverei a alguém um copo de cerveja.". Porém ninguém lhe pedia um copo de cerveja e portanto, o barman prosseguia sem dever nada a ninguém.
     Um belo dia... Não, não era um belo dia. Mas também não se pode dizer que era um dia horrível. Quer dizer, o sol estava no céu. Talvez fosse só um dia normal. Isso, um dia normal.
     Num dia normal, mais ou menos ás 13h, um homem entrou no bar. Vestia um terno azul claro e levava uma maleta. Foi direto á uma mesa da janela, se sentou numa cadeira, deixou a maleta sobre a mesa e se debruçou sobre a mesma, escondendo o rosto nos braços. O barman assistiu á cena, apoiado no balcão, uma vez que naquele bar sujo não havia mais nada pra fazer, e estava começando a pensar em se levantar e cutucar o homem e dizer que seu bar só se transformaria num dormitório através do pagamento de uma taxa. E essa taxa era equivalente ao preço de um copo de cerveja. Que viria no pacote dormitório, pra ajudar a chamar o sono.
     Porém, antes que pudesse se levantar, ouviu algo. Um som que não ouvia há muito tempo. Até que, como que para sanar suas dúvidas, ele começou a ver o homem ter leves espasmos. Ah, sim. O som era chamado "soluço". E produzido, usualmente, quando um ser humano encontra-se num estado de melancolia tão profundo que começa a verter gotas de água pelos olhos, estado conhecido como choro. Talvez tivesse estudado isso na escola. Mas afinal, havia sido há tanto tempo... Não importa: o importante era avisar ao homem que o pacote-choratório custaria mais caro, uma vez que o acompanhamento era um copo de uísque.
     No entanto, antes que o homem pudesse reunir forças para sair daquele posto de vigília há tanto tempo assumido, o homem parou de ter espasmos e se aquietou. O barman levantou uma sobrancelha, sem saber como agir diante daquela situação. Que dia movimentado! Em pouco, o homem ressonava. O barman suspirou: de volta ao pacote-dormitório.
     Se aproximar do homem foi mais fácil do que ele pensara. Entretanto, ao fazer menção de cutucá-lo, ou viu outro som, ligeiramente abafado. Parecia repetitivo. Talvez viesse de sua maleta, provavelmente um toque de celular. Aproximou a orelha encardida da maleta e ouviu: tique-taque, tique-taque.



     O homem ficou estarrecido. O tiquetaque o tirou a força de seu estado letárgico. Recuou, os olhos arregalados, mirando o estranho. Suas costas chegaram ao balcão e ele se apoiou no mesmo, para tentar se equilibrar. Ao fazê-lo, cortou os dedos numa faca que jazia há tempos imemoriais sobre o tampo de madeira escura. Limpou o sangue na camisa e pensou no que faria a seguir. Imagens passaram pela sua cabeça como um flash: homens que pegavam carona no meio da noite e explodiam, arrastando os carros e seus motoristas barbeiros consigo; bombas explodindo dentro de mochilas no metrô de cidades situadas no estrangeiro, os maiores edifícios do mundo caindo por terra pela ação de aviões sequestrados... e o homem estava chorando, isso com certeza era vontade de viver, ou talvez arrependimento. Era demais para um homem da sua idade. O que seria de seu bar? Sua clientela? O homem olhou em volta. OK, esse não era o melhor de seus argumentos. O homem começou a ficar desesperado. E se houvesse algum elemento químico na bomba? Novos flashes lhe passaram pela mente: todos envolviam bebês nascendo com três olhos em alguma região do Japão. Era demais. Saiu ás ruas.
     -Socorro! Evacuem a área! Socorro! Há um homem bomba no meu bar!
     Agarrou uma mulher pelo braço e pediu -Socorro, socorro!. Provavelmente a mulher não acreditaria no primeiro gordo careca que a interpelasse no meio da rua, mas talvez o sangue em sua camisa tenha ajudado. Agora eram dois desesperados berrando pelas ruas. Logo eram quatro.
     Em pouco a rua estava vazia. Os carros, abandonados, compunham uma cacofonia de diferentes rádios esquecidas ligadas. Senhoras arrastavam crianças pra longe, enquanto bêbados anunciavam o fim dos tempos. Os apartamentos, vazios. Televisões deixadas ligadas reportavam imagens aéreas do bairro vazio. De repente um som cortou o ar, um som que foi ouvido por todo o bairro silencioso. O som era mais ou menos assim: TRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMMMMMMM.
     Dois minutos depois o homem de terno saiu do bar, ainda com os olhos vermelhos. Olhou em volta, viu o bairro abandonado, não entendeu nada, e começou a andar até seu trabalho, uma vez que o horário de almoço havia acabado. Seu celular começou a tocar, porém antes que ele tivesse chance de atender o telefone de sua amada que lhe trocara por um mexicano viril, um esquadrão anti-bombas o agarrou, algemou e extraditou.
     Os que não acreditarem na veracidade desta história, podem checar com o próprio sujeito. Dizem que até hoje ele está numa prisão nos Estados Unidos tentando explicar a quem quiser ouvir que não havia uma bomba dentro de seu despertador. "Afinal, dentro daquele relógio não caberia nem um estalinho". Talvez o homem até hoje não entenda que seu crime provavelmente foi usar um despertador antiquado como aquele.
     O bar continua sujo. O barman continua sem dever nada a ninguém.

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